A corrupção
causa danos incalculáveis ao país. E o pior é que temos a sensação de que ela
aumenta a cada dia. Porém não podemos aceitar e tolerar essa situação
passivamente. Devemos nos indignar e enfrentar o problema. O combate à corrupção
depende da participação e engajamento de toda a população.
O texto
abaixo é um pouco extenso, mas recomendamos a leitura atenta.
O autor traz dados
alarmantes e revoltantes sobre o colossal esbanjamento e desperdício de
dinheiro público no Brasil, traçando ainda um triste paralelo comparativo onde
fica demonstrado o incremento imediato que se poderia dar às demandas da
sociedade, aumentando o número de estudantes matriculados em escolas públicas,
maior disponibilidade de leitos nos hospitais, dentre outros.
PEC 37 e os malefícios à economia
Sob
o título “Como a aprovação da PEC 37 impactará negativamente na economia do
país”, o artigo a seguir é de autoria de Luciano Coelho Ávila,
Promotor de Justiça do Distrito Federal (1).
São recentes os estudos científicos e estatísticos sobre os impactos
negativos da corrupção para a economia do país.
Kimberly Ann Elliot assinala que a corrupção é uma das mais
dramáticas mazelas que assolam o mundo globalizado, enfraquecendo a
legitimidade política, provocando desperdício de recursos, afetando o
comércio internacional e o fluxo dos acontecimentos. A corrupção é também
maléfica porque se trata de um instrumento que modifica os mercados, criando
vantagens desiguais entre os empresas competidoras e investidores.
Para Roberto Abdenur, presidente-executivo do Instituto
Brasileiro de Ética Concorrencial, a corrupção é fator subjacente a
múltiplas distorções na economia. Leva à redução de receita e ao aumento
do gasto público. Causa prejuízos à sociedade, priva os mais pobres de
políticas públicas e agrava as desigualdades sociais. Fortalece a
cultura da leniência e a conivência com situações de transgressão (Folha, Tendências/Debates,
18/10/2012).
Miriam Leitão enfatiza que a sensação das pessoas no
Brasil é de que a corrupção está aumentando. Segundo a renomada economista,
“a doença invade a economia: o governo é o maior comprador, há casos de
superfaturamento e de inexplicáveis aditivos aos contratos. Se isso se
generaliza, a economia vai ficando menos produtiva, menos eficiente e mais
corrompida.”
Levantamentos mais recentes (2)
trazem simulações de quanto a União poderia investir em diversas áreas
econômicas e sociais, caso a corrupção fosse menos elevada no Brasil. Confira-se:
Na área da educação,
o número de matriculados na rede pública do ensino fundamental saltaria
de 34,5 milhões para 51 milhões de alunos, um aumento de 47,%,
que incluiria mais de 16 milhões de jovens e crianças.
Na área da saúde,
a quantidade de leitos para internação nos hospitais públicos, que hoje
é de 367.397, poderia crescer 89%, o que implicaria em 327.012
leitos a mais para os pacientes.
No setor de habitação,
o número de moradias populares também cresceria consideravelmente. A
perspectiva do PAC é atender a 3.960.000 famílias; sem os desvios de recursos
da corrupção, outras 2.940.371 de famílias poderiam ser beneficiadas, um acréscimo
de 74,3%.
No tocante ao saneamento
básico, a quantidade de domicílios atendidos, segundo a
estimativa atual do PAC, é de 22.500.000. O serviço poderia crescer em
103,8%, somando mais 23.347.547 de casas atendidas com serviços de
coleta de esgotos. Isso diminuiria os riscos à saúde da população e os índices
de mortalidade infantil.
Na área de infraestrutura,
os 2.518 km de ferrovias (metas do
PAC), seriam acrescidos de 13.230 km, um aumento
de 525% para escoamento de produção. Os portos também sentiriam
a diferença, com a ampliação do número de 12 que o País possui na atualidade
para 184, um incremento de 1537%. Além disso, o montante
absorvido pela corrupção poderia ser utilizado para a construção de 277
novos aeroportos, um crescimento de 1383%.
Outro dado impressionante sobre o impacto da corrupção na
economia foi divulgado recentemente por analistas econômicos: a cada 1
bilhão de dólares que se esvaem pelos ralos da corrupção, o prejuízo à
atividade econômica como um todo é da ordem de 3 bilhões de reais. O
cálculo econômico leva em conta não apenas o valor efetivamente desviado por
força do ato de corrupção, mas também o que se deixa de produzir em atividades
econômicas que se realizariam em torno do investimento em obras, estradas,
portos, escolas, hospitais etc.
Considerando que as estimativas mais recentes da FIESP
(Federação das Industrias do Estado de São Paulo) e da CGU (Controladoria Geral
da União) apontam para uma média anual que varia entre 70 a 80 bilhões
de reais desviados em virtude da corrupção no Brasil, conclui-se que o prejuízo como um todo para a economia do país acaba sendo
da espantosa ordem de 210 a
240 bilhões de reais por ano.
Este é o verdadeiro custo econômico da corrupção no Brasil,
que contribui decisivamente para emperrar o processo de desenvolvimento
econômico do país e para manter o sistema tributário nacional como um dos mais
onerosos e complexos do mundo.
Como num círculo vicioso, quanto
maiores os índices de corrupção, mais elevadas
se tornam as necessidades arrecadatórias do Estado, com impacto direto
no bolso do contribuinte, que acaba, em última análise, por financiar o custo
da corrupção no Brasil.
Para que se tenha em mente a que ponto a corrupção pode levar
a economia do Estado, o vice-presidente da Associação de Integridade e
Transparência de Portugal, Paulo Morais, chegou a denunciar há poucos dias que
a profunda crise econômica deflagrada em Portugal nos últimos anos era fruto da
corrupção e não dos alegados excessos dos portugueses (3). Segundo Morais, a verdadeira explicação para
a crise em Portugal está nos fenômenos de corrupção na administração central e
local, que têm permitido a “transferência de recursos públicos para grandes
grupos econômicos”.
A esta altura, o leitor atento deve estar se perguntando: e qual
a relação entre a aprovação da PEC 37 e a economia do Brasil, provocação que dá
título ao presente artigo? A resposta é relativamente simples: ao impedir o
Ministério Público, a Controladoria Geral da União, as Receitas Federal e
Estadual, o Banco Central do Brasil, o CADE, os Tribunais de Contas e outros
órgãos de controle do Estado de investigarem os desvios de dinheiro público de
natureza criminosa, referida proposta de emenda à Constituição — que pretende
estabelecer um monopólio da investigação criminal a favor das Polícias –,
representa golpe de morte no já difícil
enfrentamento do mal endêmico da corrupção, sobretudo quando
cediço que as Polícias, historicamente vinculadas e subordinadas ao Poder
Executivo, não possuem tradição investigativa nessa seara, encontrando diversas
limitações e obstáculos políticos para o pleno exercício de atividades de
apuração de crimes relacionados aos atos de corrupção perpetrados pelos mais
altos escalões do Poder Público em todos os níveis da federação.
Como lastimável efeito de referida constatação (a de que as Polícias não possuem aparato e autonomia suficiente para
investigar em toda sua plenitude e extensão os atos de corrupção que impactam
negativamente na economia do país), a população carcerária
brasileira é formada, quase à unanimidade, por pessoas oriundas das camadas
sociais menos abastadas. Os últimos dados revelados pelo Departamento
Penitenciário Nacional demonstram que o Brasil possui 513.800 detentos, a
quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de EUA, China e
Rússia. Desse total, cerca de 70% dos condenados cumprem pena por crimes
patrimoniais (furtos e roubos), 20% por crimes violentos (homicídios, estupros,
latrocínios, etc.), enquanto apenas 0,12% foram condenados por crimes do
colarinho branco, a chamada “cifra dourada da criminalidade”.
Muito embora as razões dessa seletividade do direito penal
repressivo não se devam exclusivamente às polícias, encontrando raízes na
própria lei e no sistema judiciário, não há como se negar, com base nos
modernos estudos de criminologia crítica (Lola Aniyar de Castro, Nilo Batista,
Vera Regina Pereira de Andrade e outros), que a filtragem inerente ao sistema
de investigação policial brasileiro desempenha um papel fundamental para a
preservação de referido quadro, compelindo as polícias a investigarem quase
que exclusivamente a parcela da delinquência
denominada de tradicional, etiquetada e
estereotipada (estereótipo do criminoso comum difundido como sendo o do homem
adulto negro, pobre e sem instrução), em detrimento da outra parcela
inserida na cifra dourada da criminalidade, da qual fazem parte os atos de
corrupção perpetrados pelas elites políticas e econômicas detentoras do poder,
cujos impactos negativos à economia do Estado são infinitamente superiores.
A propósito, cabe esclarecer, com a criminóloga venezuelana
Lola Aniyar de Castro, que um único caso de crime de desvio de dinheiro
público da ordem de 1 bilhão de reais, por exemplo, pode trazer
mais prejuízos à sociedade que milhões de pequenos furtos e roubos.
Com a aprovação da PEC 37, o caráter seletivo e
estigmatizante das investigações policiais tenderá a se agravar cada vez
mais, a prevalecer a lógica de que o Ministério Público somente
poderá denunciar criminalmente à Justiça aquilo que a polícia decidir (e puder)
investigar no seu juízo discricionário de conveniência e oportunidade.
A livre disponibilidade da investigação criminal nas mãos do
Poder Executivo, que facilmente manipulará a polícia, parece mesmo ser o mundo
dos sonhos num país que aprendeu a cultuar a impunidade. Pouco parece importar,
em tal contexto, os estrondosos malefícios que a “PEC da Impunidade”
acarretará à economia do país ao inviabilizar o aperfeiçoamento do sistema de
investigações criminais dos prejuízos econômicos (como um todo considerados)
resultantes dos atos de corrupção, que ultrapassam a cifra estratosférica
dos 200 bilhões de reais ao ano.
Ao proibir os órgãos de controle especializados (Receitas
Federal e Estadual, CADE, BACEN, CGU, Tribunais de Contas, Ministério Público e
as próprias CPI’s) de exercerem uma investigação adequada dos desvios
criminosos de recursos públicos que deixam de se converter em políticas
públicas eficazes para a população e em infraestrutura para o crescimento do
país, a PEC 37 em nada contribuirá para minorar os efeitos deletérios
da crise econômica que se instalou no Brasil, levando ao quadro atual de
estagnação da economia, com baixa do PIB e elevação dos índices inflacionários.
Triste realidade a de um povo cujo Parlamento se dá ao luxo
de discutir em tom de seriedade uma proposta de mudança da Constituição
que caminha na absoluta contramão dos mecanismos de controle da estabilidade e
austeridade econômicas rigorosamente respeitados (e até estimulados)
pelos países do eixo civilizado e desenvolvido, de que insiste em não fazer
parte a República Federativa do Brasil.
Referências no texto:
(1) O
autor é Professor de Direito Constitucional em Brasília/DF. Especialista em
Direito Processual Civil pela UFSC/FESMPDFT. Mestrando em Direito e Políticas
Públicas pelo UniCEUB, em Brasília. Promotor de Justiça do Distrito Federal e
Territórios. Membro Auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP.